"Conheças todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma Alma humana, seja apenas OUTRA Alma humana. " Carl Gustav Jung

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Texto: reportagem Revista Filosofia, Ciência e Vida....O que é Felicidade



Entrevista cedida à revista "Filosofia, Ciência e Vida", feita pela jornalista Renata Armas- Danilo Dornas é bacharel e licenciado em Filosofia.


                                           
FILOSOFIA: Por que a felicidade sempre foi um assunto recorrente na Filosofia? Este é um dos temas mais discutidos filosoficamente?

DANILO: A felicidade é um assunto recorrente na filosofia porque se trata de um conceito humano que indica uma ação. A busca pela felicidade é sempre um argumento ético, pois, através desta busca se tenta investigar conceitos como “bem”; “mal”; “certo”; e “errado”. As tentativas de investigar os valores morais servem para compreender os rumos, as decisões adotadas para a vida e desempenhar um convívio social satisfatório. Por isto, o desafio da filosofia neste tema seria o de investigar o aspecto cultural que determina tais valores para que se tenha a clareza de quais objetivos têm uma sociedade e quais virtudes a deixariam feliz. O tema por se tratar de uma investigação sobre os valores é discutido pela Filosofia Moral, que foi um incômodo para Sócrates, seu fundador, e chega aos dias atuais com a mesma missão humanista. Portanto, em filosofia, não há uma fórmula exata para ser feliz, mas existem modos para que a felicidade seja alcançada, desde que compreendidos os reais valores éticos pertencentes ao homem.

FILOSOFIA: Há um conceito filosófico sobre o que é a felicidade?


DANILO: Há vários. Desde a Grécia Antiga a felicidade foi discutida pelos filósofos. O próprio Aristóteles (384-322 a. C.) define a felicidade como uma “certa atividade da alma realizada em conformidade com a virtude”. Para ele, a felicidade é sempre algo a ser buscado e o meio que se usa é a virtude que o próprio homem possui naturalmente. Isto significa dizer, que, para Aristóteles, a felicidade é uma satisfação das necessidades e das aspirações mundanas. Então, a felicidade é sempre uma ação, o vencer obstáculos para se alcançar algo. E para isto, se tem a árdua tarefa de decidir e correr riscos, pois não há garantias que ela seja plenamente alcançada. Mesmo assim, Aristóteles compreende que a vida deve ser marcada por atitudes que buscam ultrapassar barreiras, sempre em conformidade com a virtude de cada homem. Donde resulta o aspecto subjetivo, porque cada homem possui uma virtude distinta. Porém, uma tarefa primordial seria investigar a virtude de cada um, que deve ser o papel da educação e sua ação seria no exercício político. Acredito que este conceito aristotélico de felicidade orientou os demais filósofos que se seguiram na história.

FILOSOFIA: É possível atingi-la?


DANILO: Para os aristotélicos sim, é possível. Mas, não em sua plenitude. Ao atingir a felicidade outras necessidades surgirão para o homem, então ele estará sempre numa constante busca pela felicidade. As necessidades é que fazem o homem sempre adequar uma virtude com sua respectiva ação. Este processo, Aristóteles chama de variação entre Ato e Potência. Ou seja, o homem é em ato algo no tempo presente, mas tem potencialidade para ser outro. E assim por diante, até a morte. Já outros filósofos que discordam de tal argumento aristotélico preferem uma vida mais contemplativa, assumindo a felicidade como algo inalcançável ou indicando que o caminho para a felicidade poderia ocorrer em outra vida. Portanto, em linhas gerais, há duas perspectivas diversas entre os filósofos: uma que prefere a dinâmica para se alcançar a felicidade e outra que prefere uma vida de esperança. Não há julgamento sobre qual a melhor situação, mas em linhas gerais a primeira nos sugere uma atitude e a segunda uma espécie de acomodação.

FILOSOFIA: Como é possível ser feliz? Existem filósofos que pensaram em guias para a Felicidade?


DANILO: Esta pergunta é sempre feita para os professores de filosofia. Infelizmente, não há guias para ser feliz, ao menos em filosofia. Eu não posso dizer a mesma coisa para outras disciplinas que lidam com fórmulas definidas e abstratas, que muitas vezes são confundidas com filosofia. Alguns até ousaram escrever guias para a felicidade, mas tiveram problemas com a aplicação prática. Podemos nos reportar mesmo ao período medieval. Ainda que seja um período de intensa vida cultural, sobretudo com o surgimento das Universidades, esta época ousou transmitir códigos morais para a felicidade, em geral, não levando em conta o tempo e o espaço de seus cidadãos. Então, ocorre uma confusão entre felicidade e bem-aventurança. Por bem-aventurança se entende um ideal de satisfação independente da relação do homem com o mundo. Seria um apego ao sobrenatural e este seria responsável pela imposição de regras ao comportamento humano. Por isto, quando se faz esta confusão, o filósofo não investiga, mas se apressa em responder uma demanda com códigos de conduta. A falha desta forma de entender a felicidade é que ela apenas busca satisfazer um problema imediato de um determinado povo específico e num determinado momento. Porém, não há a preocupação com as virtudes que conduziriam uma geração à felicidade.

FILOSOFIA: O homem sempre se preocupou em ser feliz? E o brasileiro em especial, sempre teve essa preocupação?


DANILO: O homem se preocupa em ser feliz, mas não entende que esta felicidade é fruto de como ele age no mundo. A felicidade não será dada pelo governo, nem por religião, nem por dinheiro e nem por qualquer atitude de outrem. É sempre uma atitude individual e que muitas vezes é árdua, é penosa, mas quando é atingida nos traz um gozo momentâneo, que não se basta. É um erro supor que a felicidade seja uma propriedade. Ela escapa das mãos com novas necessidades que surgem e movem à vida. O brasileiro, em especial, é um povo alegre, mas não é feliz. O brasileiro acredita que a felicidade é só uma perseguição pelo prazer. Claro que o prazer é algo positivo e que traduz instantes satisfatórios da vida, mas isto é alegria, um prazer imediato, uma euforia; não é felicidade. Porém, falta muito para o brasileiro assimilar a idéia de que a felicidade depende exclusivamente do modo como ele conduz e age em sua própria vida. Não adianta acreditar na esperança prometida pela propaganda política que venceu as últimas eleições presidenciais (2002). Naquele episódio, a esperança foi tratada como um valor positivo, quando em muitas ocasiões ela é uma fraqueza. E muito menos, esperar que algum líder espiritual nos dê todos os requisitos para a vida feliz, como se assiste em cultos religiosos que utilizam ilusões e desgraças como modelos a serem seguidos. Ao construir uma vida baseada em esperanças é adiar o problema. O brasileiro se conformou com o lema de que “O Brasil é o país do futuro” e não adota uma postura de investigar quais as virtudes que permitiriam uma atitude para a convivência e a criação. É evidente que, aqueles que percebem que a felicidade se chega com esforço e trabalho, ganham esta disputa.

FILOSOFIA: A Felicidade pode ser entendida como ausência de tristeza? Para quais filósofos?


DANILO: A “tristeza” é o sentimento de incapacidade. Este sentimento provoca a melancolia e a sensação de perda de sentido na vida. Sem dúvida, é um momento da crise. Pois bem, é evidente que encarar a felicidade como “ausência de tristeza” seria um pessimismo. Alguns filósofos foram por esta via. Posso lhe destacar o filósofo prussiano Arthur Schopenhauer (1788-1860) que indica a vontade como uma realidade irracional e que tudo fica entregue a uma mera aparência captada pelos sentidos. Assim, as aparências possuem aquela insaciabilidade por ser confusas e conflituosas e, por isto gera dor e sofrimento ao homem. Então, a felicidade seria apenas uma ligeira interrupção desta dor e deste sofrimento e ocorre quando há o desapego às aparências. Este desapego das aparências é, para Schopenhauer, a salvação, porque é o momento que o homem renuncia completamente ao mundo. Certamente, isto é uma influência do pensamento oriental. Para outros filósofos, existem explicações também melancólicas acerca da felicidade e que se referem ao homem como um ser-para-morte. Esta geração de filósofos ganha maior expressão no pós-guerra, com o drama e a solidão existenciais, o poder das armas, o mundo burocrático, tecnicista e as políticas totalitárias que se espalharam pelo ocidente. Porém, Bertrand Russell (1872-1970), em seu livro consegue manter o conceito tradicional de felicidade como um gosto pela vida, sobretudo no interesse pelas coisas que rodeiam o homem e pela sensação de amar.

FILOSOFIA: Entre os que acreditam na Felicidade possível, quais pensadores acreditam que ela virá do divino e quais acham que ela é resultado do trabalho do homem?


DANILO: O filósofo medieval Tomás de Aquino(1227-1274) acreditava que a felicidade seria um desejo natural homem. E o homem pode conhecer tudo que é de sua natureza, portanto sua felicidade consiste em conhecer a verdade natural. Esta verdade é Deus. Tal postura tomista ainda influencia a forma de pensar de muitas pessoas, sobretudo naquelas que esperam a chegada do messias ou a passagem para outra vida paradisíaca. Os filósofos que acreditam que a felicidade é resultado do trabalho são aqueles que defendem a realidade como uma relação entre homem e o mundo. São vários, mas eu sempre destaco o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) para quem a saída das circunstâncias é uma forma de salvação de si mesmo. Isto sugere ação, esforço e trabalho para alcançar a felicidade.

FILOSOFIA: É possível dizer que no Brasil as pessoas são mais felizes do que na Europa?


DANILO: Não é possível afirmar isto. São culturas diferentes. São povos com valores diferentes. Não há como medir a felicidade. O máximo que podemos fazer é tentar verificar se o brasileiro tem acesso aos serviços essenciais que lhe garantam à sua busca pela felicidade. E aí ficamos a mercê da Europa. Não que lá não existam problemas com os serviços públicos, mas em comparação com o Brasil as coisas lá parecem funcionar melhor. Certamente, estas coisas distanciam o cidadão da política, da justiça, da saúde e da educação. Enquanto isto, a nossa arte, a nossa música e os nossos cientistas são admirados na Europa. O brasileiro é criativo e isto é fundamental para o mundo de hoje. Ocorre que, poucos brasileiros têm acesso aos meios de transformação desta criatividade. O problema do Brasil é com a formação do brasileiro. Não há incentivo à leitura, os conteúdos das disciplinas ensinadas são resquícios do positivismo que não ensinam a questionar, mas sim responder com fórmulas prontas de decoradas. No Brasil, não se ensina ciência, mas cientificismo que é uma forma de manter o controle sobre o que se pensa. Não há laboratórios com estruturas suficientes para as aulas de Química. Isto para não mencionar o conteúdo detalhista da Biologia, da Matemática das probabilidades, da Língua portuguesa que aboliu a gramática e das fórmulas intermináveis de Física e daí por diante. Isto limita a criatividade, aumentando a evasão porque distancia o aluno da realidade e também de sua busca pela felicidade, pois não faz com que ele relacione a teoria e a prática.

FILOSOFIA: Desde quando a Felicidade está ligada ao dinheiro ou ao amor?


DANILO: Digamos que alguns filósofos consideraram a conquista da felicidade após alguma solução referente à economia. Talvez este seja o caso dos filósofos sociais Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx (1818-1883). Embora ambos apresentem teorias diversas sobre a política econômica, os dois têm como finalidade o alcance à felicidade. Ambos comungavam da evolução histórica e econômica para a retomada da felicidade. Mesmo que os caminhos traçados por eles sejam opostos: Smith considera a natureza humana, já Marx considera a luta de classes. Agora, sobre o amor podemos recorrer a Platão (428-347 a.C.) que indica a própria busca do conhecimento como o alcance à felicidade, donde resulta o conceito da filosofia platônica como um amor ao saber. Portanto, explicar a felicidade é sempre algo a ser buscado pelos filósofos, pois em conceito aristotélico “todo homem deseja ser feliz”, eis um lema que não pode ser deixado de lado na sociedade contemporânea.



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